sexta-feira, 24 de setembro de 2010

ENTREVISTA MARCELO NOVA: “DETESTO COVER… COVER DE MIM MESMO PIOR AINDA”!


Existem quatro homens na história da humanidade que são minha principal referência: três deles já morreram – Elvis Presley, John Lennon e John Stith Pemberton (inventor da maravilha chamada Coca Cola) – enquanto um está vivo, bem e continua detonando: Marcelo Nova.
Já havia conversado com o homem um par de vezes anteriormente – sempre por causa da minha profissão – mas desta vez foi especial, porque não haveriam editores para mutilar meu texto, nem uma pauta burocrática. O bate papo em questão foi para o IMPRENSA ROCKER, o que significava liberdade total no desenvolvimento do texto.
Marcelo Nova dispensa introduções para os que conhecem Rock n’ Roll. Munido de uma enorme paixão por sua arte e dotado de um raro talento para a escrita, Marceleza saiu de Salvador, sua terra natal, e foi tocar sua trombeta dos infernos em todo o Brasil, junto com seus comparsas do Camisa de Vênus.
Em 1987, já “descamisado”, deu início a uma carreira solo de valor artístico incalculável – fato que nunca foi entendido pelos cartolas da indústria musical – incomodando muita gente, esculhambando outros tantos, derramando água no chopp da mediocridade e, como um Zagallo do Rock n’ Roll, bradando insistentemente: “vocês vão ter que me engolir”!
Nesta entrevista, Marcelo fala sobre o Camisa de Vênus, carreira solo, Raul Seixas, Aldo Machado, trabalho novo e ainda manda boa sorte aos ex-companheiros que resolveram reativar o Camisa com um novo vocalista.
Com vocês, Marcelo Nova!
Imprensa Rocker: Em 1980, com quase 30 anos você formou o Camisa. Por que tão tarde, Marcelo? Pergunto isso porque o usual é a pessoa resolver montar uma banda quando é mais novo, com uns 14 ou 15 anos. Por que só com 30 anos você decidiu montar o Camisa?
Marcelo Nova: Eu tinha um acervo em casa muito grande de música. Música para mim sempre foi uma paixão primordial, e eu ouvia música diariamente. Não me interessava por futebol, praia ou clube. Eu gostava era de música. Então, se eu tivesse meus discos e minha vitrolinha no quarto, já estava satisfeito.
Isto foi servindo como uma espécie de alimento que eu ia colocando no meu alforje para usar depois. Eu não sabia exatamente quando, evidentemente, pois eu morava em Salvador, uma terra estranha para este tipo de manifestação musical, mas eu ficava esperando o momento, tentando identificar onde eu poderia ser bom no que eu queria fazer. Eu comecei a trabalhar em rádio, comecei a trabalhar com música, até que surgiu um negócio chamado Punk Rock, e eu percebi que se dava pra fazer daquele jeito eu poderia tentar, já que eu não tinha nenhuma experiência musical do ponto de vista virtuoso ou técnico.
Eu não sabia tocar instrumento nenhum. Eu sabia cantar todas as canções, tinha ótimas idéias ou boas idéias para fazer arranjos, tinha um certo domínio da língua inglesa pra entender o que as pessoas estavam falando – porque sempre me interessou mais o texto do que o solo de guitarra – e então, com o surgimento do Punk, eu percebi que poderia criar um mata borrão sonoro sobre o qual derramaria meus textos, entendeu?
Naquela época era muito difícil (ter uma banda de Rock n’ Roll na Bahia). Não dava para falar em termos de música, pois músico na Bahia nos anos 80, final dos anos 70, era muito voltado para uma coisa acadêmica, uma coisa que tivesse um fundo de MPB ou que tivesse raízes e relações com essa coisa regionalista, que não era exatamente o que eu gostaria de fazer. Então acabei juntando, meio por acaso, mais quatro pessoas que também não tinham experiência musical, e acabou que nós entramos pelas portas dos fundos.
Todo mundo queria fazer um som que fosse representativo do novo surgimento do Rock brasileiro, pra tocar em rádio e fazer parte do Programa do Chacrinha e do Globo de Ouro, enquanto na verdade o que eu queria mesmo era esculhambar com a Bahia. Minha intenção maior naquele momento era dizer: “já que os baluartes não se manifestam, eu acho que eu poderia me manifestar de uma maneira distinta dos demais”.
Nunca me interessou fazer parte de time que está ganhando. As pessoas só querem jogar no time que está ganhando. Eu não tenho nenhuma vontade de jogar em time que está ganhando: eu gosto de jogar pelo amor ao jogo. Eu gosto de botar a bola por entre as pernas do zagueiro e fazer um gol de letra. Não me interessa se é no Estrelinha de Pirapora ou no Real Madrid. Até prefiro que seja no Estrelinha de Pirapora, porque eu dou vazão ao meu espírito anárquico. Jogar em time que está ganhando é muito chato. É muito fácil e é muito chato!    
IR: Antes do Camisa, você morou alguns meses em Nova Iorque. Esta experiência foi útil à sua carreira como músico?
MN: Muito. Foi quando eu voltei de lá que percebi que dava pra pegar um amplificador vagabundo, uma bateria tosca e sair tocando. Alguns dos amigos que fiz lá trabalhavam durante o dia e se reuniam a noite em garagens, bares, qualquer buraco, pra tocar. Eu tinha uma idéia em Salvador, naquela época, de que para montar uma banda precisava um Led Zeppelin. E onde é que eu iria arrumar um Jimmy Page? Onde iria arrumar um Jeff Beck? Onde iria arrumar um Ian Paice para segurara a bateria?
Então ficava aquela coisa vaga, e foi quando eu percebi que o que eu queria fazer era escrever sobre o que observava naquele momento, naquela cena desbotada da musica na Bahia, uma cena voltada apenas para o folclore, para o lugar comum da água de côco e do acarajé. Eu não tinha muita noção, evidentemente, mas queria encontrar meu caminho, e sabia que meu caminho tinha que passar pelo Sex Pistols, por Bob Dylan, pelo Clash, por Raul Seixas, Adelino Moreira, Nelson Gonçalves, Jards Macalé, enfim, uma série de artistas, independentemente da nacionalidade, que eu tinha ouvido durante a minha existência e que tinha apreciado de alguma maneira. Eu tenho uma admiração e um respeito muito grande por todos estes caras que eu citei.
Então eu disse: “tenho que encontrar o meu caminho”. Porque quando você começa, a tendência é copiar ou tentar ser parecido com alguém que você goste, entretanto eu admirava muita gente, então não conseguia ser parecido com um só. Não achava que seria um bom cover de Bob Dylan, de Raul ou de Johnny Rotten. Eu tinha que achar um caminho que percorresse todas estas afinidades.     
IR: No período entre Raulzito e o Camisa existiu alguma banda de Rock lá em Salvador?
MN: Na época dos Panteras (primeiro trabalho profissional de Raul Seixas em meados dos anos 60) tinham umas bandas por lá, mas que faziam versões, covers, etc. Com certeza o Camisa foi a primeira banda de Rock a surgir na Bahia que tinha um texto próprio. O próprio álbum “Raulzito e Os Panteras” tem versões. Tenho a impressão de que o primeiro texto do Rock baiano que não se limitou a fazer versões foi o meu.
IR: Em 1980 você decidiu montar o que se tornaria o Camisa de Vênus. Como se deu a convocação dos músicos para o Camisa?
MN: Muito por acaso. Eu conhecia Robério (Robério Santana, que se tornou o baixista do Camisa de Vênus) que trabalhava na TV Aratu, enquanto eu estava na rádio. Eu chamei Robério, que chamou Karl (Karl Hummel, guitarrista do Camisa), que chamou Gustavo (Gustavo Mullen, também guitarrista) e estava formado o Camisa.
Foi muito por acaso! Um conhecia o outro, que conhecia o outro, e ninguém se conhecia entre si. As coisas foram acontecendo de uma maneira totalmente anti-profissional.

O Camisa em estúdio preparando o próximo insulto.
IR: E neste começo da banda você ainda trabalhava como radialista?
MN: Sim.
IR: Quando você resolveu largar seu trabalho para ser músico em tempo integral?
MN: Quando achei que tinha chegado o momento de sair de Salvador. Nós já tínhamos feitos vários shows em Salvador, não tinha mais lugar pra tocar e eu não queria ficar me repetindo. Então percebi que naquela altura do campeonato, como já havíamos viajado principalmente para São Paulo e Rio, meu desejo de esculhambar com a Bahia já havia aumentado geograficamente, geopoliticamente, porque descobri que o Brasil é uma grande Bahia (risos).
IR: Qual foi a reação da imprensa e da opinião pública ao surgimento do Camisa?
MN: A imprensa ficou inteiramente chocada. Eles não sabiam o que dizer, como dizer e nem com abordar (Nota do Repórter: para não escreverem o “palavrão” em sua páginas, os jornais locais denominavam a banda de “Camisa de…”). É ridículo, porque na realidade nós estamos falando de uma banda que tinha um nome que era um sinônimo para preservativo; era só isso. Mas na época tinha uma conotação tão pornográfica, tão ofensiva, tão cheia de segredos e mistérios que eles não sabiam como colocar. Eles se sentiam constrangidos, o que era muito interessante do ponto de vista artístico, porque eu podia entrar e fazer algumas colocações em cima disso.
Outra coisa interessante foram os músicos da Bahia, que se mostraram absolutamente revoltados com a nossa falta de intimidade com a técnica musical, o que nos deu uma ótima brecha para contra-atacar. Porque naquela altura era realmente uma guerra. Éramos nós e eles, não havia meio termo. As pessoas ou adoravam o Camisa e queriam ir pros shows, ou as pessoas detestavam o Camisa. Não havia meio termo, o que muito me agradava, aliás.     
IR: Como surgiu a oportunidade para a gravação do compacto “Controle Total/Meu Primo Zé”?
MN: Um baiano também, que se chamava Toninho, tinha um selo chamado NN Discos e disse que iria nos gravar. Eu achei que minha primeira gravação tinha que ser uma música que falasse exatamente sobre o que eu pensava da Bahia, e daí veio “Controle Total”, que era uma música que tomei emprestada do Clash com uma letra que falava da Bahia.
A partir daí veio o primeiro álbum, viemos para São Paulo gravar, e de uma hora para outra o disco que seria lançado por uma gravadora pequena acabou saindo pela Som Livre. Logo depois eu fui chamado para aquela famosa reunião da Som Livre, onde fui solicitado a mudar o nome da banda – porque caso contrário não iríamos pro tal do Chacrinha ou pro tal do Fantástico - e eu sugeri como novo nome “Capa de Pica”. Fomos expulsos da Som Livre e o resto é história. O Camisa se tornou a banda que se tornou.
IR: Quando foi que vocês perceberam que tinham atingido o sucesso?
MN: Quando vendemos 300 mil discos, começamos a tocar para as patricinhas nos Jardins (NR: bairro da elite paulistana), todas as músicas tocavam na radio, e a canção “Só o Fim”, do álbum “Correndo o Risco”, lançado em 1986, foi mais executada nas rádios brasileiras do que Madonna, que na época era o top da Warner.
Depois deste fato eu disse: “eu sou mais gostoso que Madonna. Está na hora de sair deste troço, senão vai ficar chato”. Um ano depois eu comuniquei aos outros integrantes da banda que eu estava saindo, que eles poderiam continuar com o nome e fazer o que quisessem. Eles acharam por bem não continuar, e a banda parou ali.

Marceleza e Karl em ação!
IR: Esta sua saída teve como motivo somente esta vontade de rumar para novos ares ou a relação entre vocês já estava meio abalada?
MN: Meio abalada não, estava completamente abalada. Bandas acabam porque ninguém se entende mais, caso contrário não acabariam. E isto vale para o Camisa de Vênus, para o RPM, Beatles e qualquer outra banda. Você tem os motivos individuais que levam a essa discordância generalizada, mas tem pessoas que se submetem a este tipo de situação, porque querem segurança, uma gorda conta bancária, enfim, garantias. E eu não queria garantia nenhuma, só queria seguir minha vida. Eu não iria passar o resto da vida numa banda. Banda é coisa para menino.
Naquela altura eu já tinha uns 35 anos e queria minha carreira de homem, individuo, sem banda. Banda é coisa para adolescente, que quer pertencer a um grupo, andar em bando, vestir jeans, usar camiseta preta, fazer parte de um clube. Eu não queria mais fazer parte de clube nenhum. Já tinha ido no clube, já tinha mijado na piscina do clube e já queria ir embora do clube.      
IR: O “Duplo Sentido” (último disco da formação original do Camisa, lançado em 1987) contém a canção “Muita Estrela Pouca Constelação”, que foi sua primeira parceria com Raul Seixas. Como se deu esta junção entre vocês?
MN: Nós éramos fãs um do outro (risos). Eu estava no Circo Voador para tocar com o Camisa, e Juçá (Maria Juçá, organizadora dos shows no Circo) disse: “Raul vem te ver”. Eu não achei que era verdade, porque Raul esculhambava com todo mundo. Ele falava abertamente do Rock brasileiro, esculhambava com todas aquelas chamadas “grandes bandas dos anos 80” e tirava sarro da cara de todo mundo. Ele era impiedoso, então eu não acreditava que ele iria lá. Mas ele foi, subiu no palco e nós fizemos um medley de canções dos anos 50. A partir daí estabeleceu-se entre nós uma relação de amizade e de respeito, que desembocou no “Panela do Diabo” (NR: disco em que Raul e Marcelo assinaram juntos).
Nós não saímos correndo atrás de um disco para fazer e nem éramos uma dupla sertaneja. Nós éramos amigos, e esta amizade gerou uma admiração mútua. Não é à toa que não dividi mais nenhum disco com ninguém, não dividi o palco com mais ninguém, no sentido literal da coisa, e ele também não.
Apesar dele ter tido Paulo Coelho como parceiro – e compuseram grandes canções, os três primeiros discos tão aí para demonstrar isso – eu fui o único artista com quem ele dividiu um palco e fez uma turnê de 50 shows. Para que isto aconteça, é necessário que exista amizade, quer dizer, às vezes nem amizade é necessária se existir profissionalismo. No nosso caso existia amizade, respeito e profissionalismo mais ou menos (risos), porque às vezes um saia de uma cidade e outro de outra, um combinava uma coisa e não cumpria, etc. Então no nosso caso era muito mais por respeito mútuo e por amizade, que era verdadeira e que nos fez andar juntos por muito tempo. Seis anos andando juntos.
IR: Seis anos foi mais ou menos o tempo que o Camisa durou, correto?
MN: Exatamente. E as pessoas diziam: “Raul Seixas fez Marcelo acabar com o Camisa”. Tinha muita especulação, e eu achava isso engraçadíssimo, porque as pessoas precisam de uma explicação para a destruição do sonho da adolescência, que acaba e você tem que encarar a idade adulta, e às vezes perceber que seu pior inimigo não está do outro lado da rua. Às vezes você é seu pior inimigo. Então tinham essas coisas. 

Marcelo e Raul numa emocionante disputa de "pedra, papel e tesoura".
IR: O seu primeiro disco com a Envergadura Moral (banda que acompanhou o início da carreira solo de Marcelo) traz uma sonoridade totalmente às avessas do que fazia no Camisa. Sua intenção foi mostrar outras facetas de Marcelo Nova?
MN: Basicamente isso. Ali eu era um cara que apenas queria soar diferente. Foi apenas isso.
IR: Depois do “Panela do Diabo” você lançou o que parece ser o primeiro disco 100% acústico da história, o “Blackout”. Como a idéia lhe ocorreu e você sabia que seria o primeiro?
MN: Eu estava fazendo uma turnê no início dos anos 90, e Collor de Melo (único Presidente da história do Brasil a ter sofrido um impeachment) confiscou as cadernetas de poupança de todo mundo, então uns seis ou oito shows que eu tinha agendado foram cancelados.
Fui para a estrada com um violão apenas, sem banda, eu e mais um músico, e era uma coisa para tocar em teatro, etc. Eu comecei a gostar daquela sonoridade, porque nunca tinha explorado isso. Sempre fui o cara da linha de frente, e de uma hora pra outra eu estava sentado numa cadeira tocando violão. Então comecei a achar que tinha algo ali no som que me interessava, e aí resolvi fazer um disco acústico quando era uma ousadia completa.
O presidente da gravadora disse pra mim: “você é maluco, rapaz, quem faz isso é sertanejo. Você é do Rock” (risos). Mas este é um dos meus problemas: eu estou sempre à frente da humanidade, pena que são só 10 minutos e os caras me pegam (risos). Aí a MTV veio e fez o negócio do “Unppluged”, e minha ousadia acabou virando fórmula. O mundo é traiçoeiro, cara (risos).
IR: No trabalho seguinte você pegou o “Blackout” e o virou ao avesso, sendo o “Sessão Sem Fim” um disco com músicas rápidas e guitarras distorcidas. Esta característica foi intenção desde o início ou as músicas foram ficando assim naturalmente?
MN: O “Sessão Sem Fim” foi um disco que eu queria fazer. Um disco de trombetas, tambores e tanques de guerra. Um disco alto, pesado. Eu tinha começado com um álbum no qual apenas queria soar diferente, depois fiz um disco com Raul, depois um acústico, e então quis fazer um disco que fosse uma retomada de um som que eu havia largado lá atrás, mas de uma maneira bem diferente, porque era menos condicionado a uma sonoridade dos anos 80, quando o Camisa começou.
Depois de 1986 eu me afastei daquela sonoridade dos primeiros discos do Camisa, que eu não gosto muito. 
IR: Na primeira reunião do Camisa em meados dos anos 90, qual foi o objetivo de vocês? Qual foi o motivo de vocês terem se reunido?
MN: Talvez muito tempo sem tocar junto… Eu não lembro mais. Não penso muito sobre Marcelo Nova, pra falar a verdade. Minha memória em relação a ele é às vezes um tanto obscura.
Há muitos anos que não nos encontrávamos, e eu acabei juntando a banda que me acompanhava com eles. Na realidade, aqueles dois discos (o ao vivo “Plugado” e o de inéditas “Quem É Você”) deveriam se chamar “Marcelo Nova”, porque são discos que fiz com minha banda, mas como Karl e Robério estavam por ali, a gente resolveu fazer alguma coisa juntos. Entretanto, na verdade, o “Quem é Você”, se você prestar atenção, é muito mais parecido com o meu trabalho do que com o trabalho do Camisa.   
IR: Por falar no “Quem é Você”, como você o situaria na discografia do Camisa?
MN: É difícil para eu fazer isso, porque ao mesmo tempo em que ele tem o nome do Camisa e tem integrantes do Camisa tocando – Robério e Karl estão tocando nele – ele não tem nada em comum com os álbuns anteriores do Camisa de Vênus. Ele é um disco muito mais voltado para uma sonoridade que naquela época eu estava desenvolvendo, do que para aquele velho Camisa, de “Bete Morreu”, “Eu Não Matei Joana D’ark” e “Silvia”, enfim, aquelas coisas que caracterizaram o Camisa. Eu vejo sempre o “Quem é Você” como um disco com o nome errado.
IR: Como se deu a participação do Eric Burdon (vocalista da lendária banda inglesa dos anos 60, The Animals) no disco?
MN: Eric é uma coisa boa, um bom brinde do destino. Eu era fã dele quando era menino, e por coincidência ele estava aqui enquanto eu gravava o disco. Fui assistir o show dele, convidei-o a ir ao estúdio e para minha surpresa ele quis ir. Achei que ele tinha sido aquele inglês educado, mas que não iria topar. Ele foi, gravamos e iniciou-se entre nós uma amizade e uma parceria que acabou conduzindo a outras coisas, como ele ter gravado musicas minhas em seu disco de 2004, “My Secret Life” (NR: Burdon gravou duas canções de Marcelo em seu álbum: “A Garota da Motocicleta”, que virou “Motorcycle Girl” e “Coração Satânico”, que virou “Devil Slide”)
IR: Um curiosidade: a música “Essa Linda Canção”, com participação dos Raimundos e que está no “Quem é Você”, foi uma versão meio abrasileirada de Rainy Day Women #12 35, de Bob Dylan?
MN: Aquilo é uma esculhambação! Aquilo não uma versão, é uma esculhambação completa. Aquilo é uma brincadeira. É que as pessoas ficam falando que é plágio. Plágio é de arrombar! Aquilo é uma esculhambação, plágio é pouco (risos). Diversão pura.
Tem uma história que é muito engraçada: eu fiz uma canção chamada “Só o Fim”, que não tem nada a ver com “Gimme Shelter” (NR: música dos Rolling Stones). Ela não tem nada ver com a letra de “Gimme Shelter”, não tem nada a ver com os acordes e tons de “Gimme Shelter”, mas quando chegou na hora do refrão, eu pensei: “eu posso fazer uma brincadeira aqui e colocar ‘ô crianças, isso é só o fim’”. Pronto, virou plágio: “Marcelo Nova plagia os Rolling Stones”! Isso é uma idiotice!
O videoclip desta canção começa comigo jogando a capa do “Let it Bleed”  – disco que contém a tal música dos Stones - para cima, na Lagoa do Abaeté. Então às vezes eu fico impressionado com este desconhecimento das pessoas em relação ao que é plagio e o que não. Eu poderia ter feito um refrão qualquer, que não ia alterar em nada, porque eu só tinha pra dizer “ô crianças, isso é só o fim“. Poderia ter escolhido uma música obscura, poderia eu mesmo ter feito um trecho para aquilo, entretanto achei que ficava bacana botar os Rolling Stones ali, intencionalmente. Não foi por acaso nem nada, foi intencional mesmo. E não tem nada a ver! A letra é completamente diferente e a melodia também, mas como as pessoas associaram o “ô crianças”, com o “oh children”, então virou plágio.
Eu tenho que dar risada porque, afinal, crítico é igual a eunuco numa suruba: eles vêem fazer, eles gostariam de fazer, mas eles não podem (risos).  
IR: Depois da gravação do “Quem É Você”, você demorou mais de 10 anos para soltar um novo trabalho de inéditas, o “Galope do Tempo”. Por quê todo este tempo?
MN: Porque eu só tenho que dizer alguma coisa na hora que tenho que dizer. Não quero me obrigar a ter que lançar disco para satisfazer mercado ou até para me auxiliar a vender mais show. Eu sé tenho que fazer na hora que eu decidir que chegou o momento. O Galope me levou 13 anos de composição, embora eu tenha lançado algumas coisas neste período, como discos ao vivo e uma caixa tripla, chamada “Tijolo na Vidraça”, que tinham algumas músicas inéditas.
Não foi um período de inatividade, mas do ponto de vista de um álbum autoral, o “Galope” foi sim uma volta ao processo de envolvimento com composição.

Capa do "O Galope do Tempo": 13 anos para ficar pronto.
IR: Na segunda reunião do Camisa, quando gravaram o DVD no “Festival de Verão de Salvador”, o acordo era fazer uns shows e terminar ou existia a possibilidade de mais um disco inédito?
MN: A idéia era fazer uns shows, que foi o que acabou acontecendo. O Camisa é meu autorama (risos). Eu gosto de armar a pista, botar os carrinhos pra correr, mas depois de dois dias perde a graça. É brincadeira de menino.
O Camisa foi minha primeira banda e eu tenho o maior orgulho de ter sido parte dela, de ter feito tudo o que fizemos juntos. Lembro de Robério, de Gustavo e de Karl, às vezes com raiva e às vezes com muito carinho, porque é normal entre homens este sentimento ambíguo: um dia você está de bode e quer chamar o cara de filho da puta e no outro você quer dar um abraço e dizer “pô cara, eu gosto muito de você, me desculpe não ter lhe dito isto antes”.
Então esse sentimento misto existe, é real. Mas o Camisa não é o somatório das nossas relações pessoais, o Camisa é uma banda musical. Gravamos canções, gravamos discos, e é por este viés que ele tem que ser analisado, e não se Marcelo Nova é um cara bacana ou é egocêntrico, ou se Karl é maluco, se Robério fala de mais ou de menos. Não é esse o ponto. O que quero dizer quando falei que o Camisa é meu autorama, é que ele está ligado diretamente ao meu início de carreira, quando eu sonhava em ter uma banda.
Eu já passei por isso há muito tempo. É divertido tocar com eles? Claro que é divertido. Entretanto eu não vou fazer disto minha carreira, pois é algo no qual eu já virei a página. Eu tenho orgulho, ótimas lembranças daquilo, mas eu não gosto de nostalgia. Eu nem consigo tocar as músicas do Camisa do mesmo jeito que elas eram. Não me interessa estar aprisionado no tempo, nos anos 80. Eu detesto isso!
Hoje minhas canções têm que soar como eu sou hoje e não como eu soava em 1932 (risos). Não tenho interesse nenhum por cover. Detesto cover, e cover de mim mesmo é pior ainda (risos).   
IR: Um pergunta que eu sempre vejo os fãs fazendo sem nunca terem resposta: Por que o Aldo (Aldo Machado, baterista da formação original do Camisa) ficou fora das reuniões?
MN: Ele não participou das reuniões, porque se interessou de uma hora pra outra por Deus, pelo céu, pelo paraíso, e nós achamos que devíamos deixar ele com Deus. Basicamente foi isso.
IR: Qual sua opinião sobre esse retorno do Camisa com Eduardo Scott (vocalista da banda Gonorréia, contemporânea do Camisa em Salvador) no seu lugar?
MN: Eu acho que eles têm todo o direito. Músico precisa trabalhar. Uma banda não é de um integrante, ou de dois ou de três. Eles têm todo o direito, e desejo a eles boa sorte. Não posso dizer mais, até porque não ouvi nada, mas espero que eles consigam o que estão buscando.
IR: Quando te liguei pela primeira vez para marcar a entrevista, você pediu que eu retornasse no dia seguinte, porque estava ocupado em estúdio. Seriam estas sessões para o próximo disco de inéditas?
MN: São sim.
IR: Você poderia adiantar alguma coisa deste novo trabalho?
MN: Eu prefiro não falar muito porque, na música, não é bom falar sobre o que você ainda não escutou. Contudo, na verdade, são canções sobre os meus encantos e desencantos com relação ao sexo feminino. É um disco que fala sobre minhas reflexões e envolvimentos com o sexo feminino.   
IR: Quando pretende soltar no mercado?
MN: Espero que daqui a uns três meses, mas não é muito bom ficar fazendo previsões, porque se chegar muito perto do fim do ano, é melhor deixar para o próximo.

Marceleza e sua companheira de estrada.
Este foi Marcelo Nova! Um artista que não se permite ficar em uma zona de conforto, que fala e faz o que é preciso quando é preciso.
O IMPRENSA ROCKER gostaria de agradecer o artista por se disponibilizar para esta entrevista, e espera que os leitores tenham gostado. O espaço para comentários é de vocês!
“E até chegar a minha hora eu vou com ele até o fim…” (Marcelo Nova & Raul Seixas)

Nenhum comentário: