sábado, 30 de outubro de 2010

Joe Hill: "O Diabo do meu livro é o mesmo do rock-and-roll"

Filho do cultuado autor Stephen King, Joe Hill fala sobre seu pai, sua carreira e seu novo livro, 'O pacto'
   Divulgação
O escritor americano Joe Hill é vítima de uma maldição hereditária: a paixão pelas histórias de terror. A exemplo de seu pai, Stephen King (famoso por best-sellers como A coisa, O iluminado e Carrie, a estranha), Hill construiu sua carreira a partir de personagens sombrios e tramas cheias de fantasia. Embora reconheça a influência do pai sobre seu trabalho, Hill faz questão de evitar qualquer menção à sua genealogia ilustre na capa de seus livros - durante quase dez anos, nem mesmo seus agentes sabiam que ele era filho de Stephen King. Seu livro mais recente, 'O pacto', é o primeiro livro desde que sua identidade foi revelada, e também o seu trabalho mais maduro. O texto conta a história de Ignatius Perrish, um homem atormentado que, após uma noite de bebedeira, descobre que está se transformando em um demônio. Em entrevista a Época, Hill fala sobre seu novo livro, sua carreira e sua proximidade com o pai.
ÉPOCA – Vampiros, lobisomens e outros monstros estão mais populares do que o demônio ultimamente. Porque você decidiu escrever um livro sobre ele?
Joe Hill -
Eu tinha escrito várias histórias sobre fantasmas. Então pensei: ‘Ok, chega de fantasmas. O que posso fazer agora?’ E a primeira resposta que me veio à cabeça foi ‘que tal o diabo?’ Para mim, o filme de terror mais assustador da história é O exorcista. Eu assisti ao filme quando tinha 17 anos de idade, e pensava que nada mais poderia me assustar. Em menos de 10 minutos de filme, já estava prestes a molhar minhas calças e gritar pela minha mãe. Fiquei muito assustado. Como havia poucas histórias sobre o demônio além de O exorcista, achei que era um tema interessante para abordar.

ÉPOCA – Você leu muito sobre o demônio antes de escrever o livro?
Hill -
Bem, eu pesquisei um pouco; acho que dá para notar isso. Mas uma coisa que decidi logo no começo é que eu não queria que meu livro se tornasse um tratado de teologia de 500 páginas. Há um pouco de teologia no livro, mas eu queria que ele fosse basicamente uma viagem assustadora. Então, o Diabo do meu livro é o mesmo do rock-and-roll. Nos EUA. O rock sempre foi a música do demônio. Esse é o meu demônio; não é o demônio da Bíblia, por exemplo. Acho esse um personagem fascinante.

ÉPOCA – O que você aprendeu sobre ele durante o processo de escrita?
Hill -
Uma coisa que não demorei para notar foi que ele é um personagem muito complexo. Em algumas narrativas ele é o adversário final, o mal encarnado. Mas em outras a separação não é tão clara assim. Há a ideia de Lúcifer como um indivíduo que desafia o poder de Deus, o que o torna muito humano. E há também a velha tradição que diz que o Diabo pune os pecadores no inferno. Se o pecado é uma ofensa a Deus e o Diabo pune o pecado, Deus e o diabo são duas faces da mesma moeda. Quando estava terminando de escrever o livro, me apeguei a uma outra interpretação: a de que o Diabo é uma desculpa para o ser humano justificar sua própria maldade. Se você prestar atenção, os personagens mais assustadores de meu livro são os humanos. Não precisamos do Diabo para fazer o mal.

ÉPOCA – Há alguns meses entrevistei outro autor de terror, Justin Cronin, e ele elogiou seus livros. Qual é a sua opinião sobre a atual geração de escritores de terror – autores como ele, você e Neil Gaiman?
Hill -
Acho que somos muito sortudos. Estamos em um momento em que é possível escrever histórias de detetive, de terror ou de ficção científica, capturar uma audiência grande, e ainda assim ser levado a sério como escritor. Há alguns anos, havia uma noção errada de que as pessoas que escreviam ficção realista, sobre política, desilusões ou velhice, eram autores “literários”, e os autores de fantasia não estavam no mesmo nível, ou não mereciam atenção da crítica. E esse era um estereótipo muito americano: se você olhasse para outras culturas, veria autores como Gabriel García Marquez fazendo muito sucesso com o realismo fantástico na América do Sul, por exemplo. Hoje isso mudou nos Estados Unidos também. É possível fazer sucesso com o público e com a crítica.

ÉPOCA – Como você decidiu se tornar escritor?
Hill -
Eu tenho duas grandes influências em casa: meu pai [Stephen King] e minha mãe [Tabitha King]. Tive influências de outros escritores, mas nada que chegasse perto disso. Quando eu tinha 12 anos, via meu pai sair da sala e ir ao escritório dele para inventar alguma coisa, e minha mãe indo para o escritório dela para fazer o mesmo. Parecia natural ir até o meu quarto, ficar sentado algumas horas e inventar uma história também. Quando você faz isso todos os dias, acaba se tornando bom e alguém vai pagá-lo para fazer isso.

ÉPOCA – E como foi a decisão de escrever livros de terror, assim como seu pai?
Hill -
Essa decisão veio bem mais tarde. Quando eu estava na faculdade, tinha certeza de que queria ser escritor. Mas não gostava da ideia de assinar meus livros como Joseph King. Meu medo era que os editores publicarem meus livros só para ganhar dinheiro fácil com o sobrenome, mesmo se eles não fossem bons. Foi aí que decidi esconder minha identidade e escrever como Joe Hill. Naquela época, eu evitava ao máximo escrever sobre terror, para não ser considerado uma imitação do meu pai. Escrevia histórias realistas, que não me excitavam muito. Eu sempre gostei mais de terror e fantasia. Depois de alguns anos eu me toquei: se eu assinasse como Joseph King, não me permitiria escrever esse tipo de história. Mas, como eu era Joe Hill, poderia escrever sobre o que eu bem entendesse! (risos) A minha identidade continuou secreta por dez anos: nem mesmo meus agentes sabiam que eu era filho de Stephen King. Foi tempo suficiente para publicar dois livros, aperfeiçoar meu estilo e fazer um certo sucesso, sem que ninguém me incomodasse por ser filho do meu pai.

ÉPOCA – Seus pais te ajudaram muito na sua formação como escritor?
Hill -
Sem dúvida. Meus pais são os melhores professores de redação que eu poderia querer. Meu pai é, na minha opinião, o maior autor de sua geração, e também o meu melhor amigo. Eu mostro todo o meu trabalho para ele e para a minha mãe, eles fazem comentários. Tenho muita sorte por contar com eles. Mas também tenho de trabalhar duro: é um trabalho como qualquer outro. Você tem de se dedicar por várias horas. A escrita é algo que pode ser aprendido, mas não sei se é algo que pode ser ensinado. O escritor tem de percorrer o seu próprio caminho. Eu, por exemplo, jogo fora 90% ou mais do que eu escrevo. Só 10% acabam publicados. Conversando com outros autores, vi que não era exceção. Você tem de jogar fora o que é satisfatório para publicar só o que é excelente.

ÉPOCA – A recepção do seu trabalho pelo público mudou depois que sua identidade foi revelada?
Hill -
Meu pai tem vários fãs, e as pessoas ficaram curiosas. Isso acabou fazendo com que eu chamasse mais atenção. Mas eu continuo a escrever como Joe Hill, e acredito que mesmo hoje em dia há leitores que compram meus livros sem saber que sou filho do Stephen King. Algumas pessoas fizeram estardalhaço quando o parentesco foi descoberto; eu posso garantir que passo menos tempo pensando nisso do que elas. Afinal, já estou no meu terceiro livro. Uma pessoa poderia até se interessar por um livro meu por causa do meu pai, mas se o livro não fosse bom, ela não compraria o próximo. As pessoas querem se divertir, não querem se sentir enganadas. Eu procuro trabalhar nos meus livros para conquistar o leitor, sem pensar que será mais fácil para mim do que para outros autores.
Fonte: Época

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