sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Contra a Correnteza: Malditas elites!

Imagine uma cena: alguém está caminhando na rua voltando da praia, está descalço e anda apressadamente porque o chão está quente, de repente o chão fica mais quente ainda e curiosamente mais mole, a pessoa olha pra baixo e constata que atolou o pé num monte de bosta de cachorro.

Muito bem, na cabeça do Brasil "progressista", "humanista" e "gente boa" essa cena tem duas explicações possíveis. Se a pessoa que atolou o pé na m* for um flanelinha que estava tomando conta de carros - leia-se: extorquindo proprietários de veículos - o monte de merda só pode ser de algum cachorro de madame insensível (prepare-se, essa palavra vai aparecer muito neste texto), que mora num prédio chique e acha que as calçadas são banheiros do seu totó que escandalosamente deve ser mais bem tratado do que muita criança pobre e que não liga para o sofrimento do povão, que é obrigado a andar descalço porque não pode comprar um sapato.

Porém, se quem pisou na bosta for uma patricinha moradora de um prédio de "classe média" e ela reclamar, com certeza o cachorro deve ser algum vira-latas de um "menino de rua", que não tem nada na vida além da companhia do doce cachorrinho, e a cena serve pra mostrar como a mocinha é insensível porque acha que o seu "pé da elite" não pode pisar na merda de um cachorro de alguém do "povo" e, claro,  é bem feito que tenha acontecido isso para ela ter noção da realidade.

Pensei nessa historinha no dia em que disse no Twitter que estava acompanhando a passeata de militantes de José Serra durante a campanha eleitoral, e inocentemente me referi a eles como "gente do bem", me aproveitando do slogan da campanha "Serra é do bem". Pra que!? Bastou que eu dissesse isso que logo veio uma "progressista", "humanista" e "gente boa" me repreender: "gente do bem não, gente de bens".

Digamos que só estivessem presentes ali milionários que chegaram de helicóptero - o que obviamente é apenas um exagero meu, mas que fosse - por acaso essas pessoas teriam menos direito de expor suas opiniões e preferências políticas? 



Lembro disso também quando ouço qualquer discussão sobre o estado de caos, desordem e violência em que o Rio de Janeiro encontra-se permanentemente afundado. Entre todos os bordões esquerdóides dignos de um vômito como "favela não é problema, é solução", "isso só incomoda quando afeta a elite" ou então "bandidos mesmo são os de gravata", os que mais me enojam são especialmente dois: "quero ver invadir condomínio de rico" e "é bom pra essa classe média insensível ver a realidade".

Acho isso tudo incrível porque quem diz isso deve morar em outro lugar que não o Rio de Janeiro, onde a "realidade" infesta os morros de barracos, as ruas de flanelinhas, camelôs, pivetes, mendigos, uma cidade que se inunda de "realidade" em cada chuva pesada que cai, em cada transporte coletivo medíocre que oferece aos seus habitantes, em cada quilômetro de engarrafamento infernal, enfim, essas pessoas dizem isso como se a tal "realidade" não batesse diariamente à porta das pessoas, independente delas quererem vê-la ou não.

Quem vive no Brasil convive com pobreza, miséria, feiúra, impotência diante de absurdos variados o tempo todo, mas só quem reclama disso são pessoas de "bens".

Aliás, só quem é rico e não é "insensível" na cabeça dessa gente são os traficantes do morro - cheios de dinheiro por conta da venda do pó - esses são "vítimas" da "insensibilidade" (eu avisei que a palavra apareceria ad nauseam) da "classe média" que os esqueceu. 

Incrível também que a "elite insensível" seja aquela que pague os impostos mais altos do mundo, taxas imorais, cobranças em cascata, sem receber nada em troca, e ainda assim seja sacudida de cabeça pra baixo de tempos em tempos para "fazer sua parte" e doar mais, mais, mais em "Crianças Esperanças", "Teletons" e outras campanhas do gênero.

Com tudo isso, esta ainda é a parcela da sociedade a quem é negado até mesmo o direito de se indignar, de se expressar, de exigir algum direito.

Pra ser "bom" no Brasil, pelo menos na visão da turma "progressista", que chama ironicamente os que discordam deles de "elite" e "gente cheirosa", você precisa gostar do fedor, da feiúra, de pisar na merda ou pelo menos aturar tudo isso quieto, não esquecendo de pagar a conta, é claro.

Querer remover favelas é "higienismo", combater a mendicância é "eugenia", não ficar satisfeito com a festa da ilegalidade de camelôs, flanelinhas, vans et caterva é ser "contra pobre", pretender que seus impostos vão para algo além de um imenso buraco negro de ineficiência estatal e assistencialismo barato é ser "insensível".

Uma pessoa que queira uma cidade limpa, bonita e livre de pragas urbanas é ruim. Quem gosta (ou finge que gosta) de viver num lixão a céu aberto que mais parece cenário de um daqueles filmes "Mad Max" é bom. 

Tem quem defenda tudo, desde que "traficante também tem família pra sustentar" até maconheiros "do bem", e também faveleiros profissionais, pobristas que lucram com a miséria que dizem combater e, claro, políticos que tem um belíssimo curral eleitoral nessas zonas de desordem e ausência de condições reais de dignidade.

E tome urbanização, teleférico, bolsa isso e bolsa aquilo. Tudo claro financiado pelo bolso dos outros.

Progressista que se preza precisa de pobre pra distribuir cupom, de favela - de preferência bem suja e feia - para poder mostrar como admira a "criatividade" que existe naquilo e que por isso é moralmente superior aos outros, de caos urbano para poder requisitar mais uma verbazinha para criar alguma "comissão" para "ordenar" as "atividades" e de preferência terminar criando algum sindicato, tipo de guardadores de automóveis, de camelôs, de vans e até de vendedores de bala em ônibus.

Essa coisa do governo proporcionar às pessoas maneiras delas melhorarem de vida por conta própria, de cidades limpas e bonitas, calçadas livres, isso tudo é coisa de direita. 

Com toda essa onda de leis anti "homofobia", "racismo", "xenofobia" e o escambau, bem que poderiam criar uma lei contra a "classe-médio-fobia".

Sabe como é, essa gente branca (ou quase), hetero, trabalhadora, pagadora de impostos, que não recebe nada de ninguém, que não conta com ninguém além de si próprio e que ainda por cima não tem nenhuma ONG que a defenda.



Fonte: Contra Correnteza

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