terça-feira, 14 de junho de 2011

Rock Progressivo: sobre a regressividade do gênero


Amante do bom e velho rock progressivo, adoraria poder acompanhá-lo na cena atual. Mas a questão é: onde está o rock progressivo nos tempos atuais? Existir ele existe, mas qual a sua importância, qual a sua relevância? Por que essa impressão desoladora que remete ao clichê “nasci na época errada”?
Houve uma época na qual não apenas o rock, mas a música como um todo era mais valorizada. Não que hoje não seja, mas era uma valorização distinta, qualitativa. Em geral, parava-se para ouvir música, para degustar uma banda. Colocava-se o disco, apreciava-se a música com outro ouvido. A capa do álbum, o encarte, as letras, cada melodia, tudo podia ser utilizado, nada era descartável. Em um tempo sem as atuais redes de comunicação, podia-se apenas esperar ansiosamente a chegada de um álbum internacional, e comprar para ouvi-lo, após muito imaginar como seria. Por vezes, ouvia-se o álbum por um longo período sem ao menos tê-lo. Podia-se não apenas ficar surpreso com um álbum que era diferente do esperado, mas se decepcionar, quando a alta expectativa de um álbum que esteve na imaginação por tanto tempo, e de maneira tão intensa, não correspondia ao que era de fato ouvido.
De qualquer forma, o que eu ilustro é outro contato com a música, um contato muito mais cuidadoso, mais detalhista, onde nada escapa, e tudo pode ser utilizado. Era possível, muitas vezes, ter um álbum, enquanto expectativa, fantasia, sem ao menos tê-lo materialmente.
E ao ouvir a música, este mesmo cuidado permanecia. Nada escapava, e podia-se ouvir uma mesma música inúmeras vezes sem se cansar. Ainda mais após uma grande expectativa. A pouca disponibilidade e dificuldade de se adquirir novos álbuns e de se conhecer novas bandas, de certo modo, trazia uma vantagem, que era a alta valorização do que se fazia disponível. Cada informação do álbum, sua história, suas nuances, seus detalhes, seus erros, tudo era significativo e gerava interesse. E entre um lançamento e outro, havia um tempo livre fértil, que possibilitava este debruçar-se sobre a música de um modo demorado, interessado, e não apressado. E é neste cuidado diferencial que há a possibilidade do rock progressivo ser compreendido – e apreciado.
Quem gosta de rock progressivo não deve ter pressa. É uma música que ultrapassa a si mesma. Ela começa antes de começar e termina além de si. E é exatamente isto que a caracteriza como progressiva, e que os devotos apreciam. É uma música que não vai direto ao ponto, que não visa o fim, mas o meio, o caminho. O fechamento é um mero detalhe, se não nos atentarmos e apreciarmos tudo o que o precede. E geralmente é muita coisa. E não é a toa que geralmente temos músicas com longa duração, ou então uma música dividida em diversas faixas, tornando o álbum mais comercial e possibilitando um manuseio mais prático.
Este cuidado qualitativo, que uma vez fizera-se presente, hoje em dia parece estar cada vez mais raro. A música não é mais ouvida, é consumida. Se antes predominava um cuidado qualitativo, hoje predomina um cuidado quantitativo. A facilidade e conveniência dos meios de comunicação virtuais possibilitam que entremos em contato com uma infinidade de músicas, bandas, estilos, movimentos. Em um mês podemos entrar em contato com mais música do que podemos ouvir durante uma vida. Perde-se muito com este modo de entrar em contato com a música. Todo aquele cuidado qualitativo passa a ser supérfluo. A música é baixada rapidamente, não há tempo para imaginar ou fantasiar como será. O que é possível imaginar e esperar de algo que estará em suas mãos em apenas poucos segundos? E mais, se eu procuro saber mais de cada música, como álbum de origem, banda, integrantes, história da banda e tudo que um dia já foi valorizado, eu deixo de ouvir mais músicas. A escolha nos tempos atuais é pela quantidade, e não pela qualidade. Em tempos onde a tecnologia é tão rápida e eficaz, o espaço em branco da expectativa de não se ter o álbum pretendido inexiste. Se antes o contato com cada álbum era significativo e único, já que cada álbum era de certa forma especial e tinha uma história, a alta oferta e facilidade de se adquirir uma quantidade incomensurável de músicas através da técnica virtual, nos tempos atuais, nos afasta de uma forma cuidadosa de ouvir música. Por fim, não escutamos música, mas consumimos, tamanha a velocidade e fugacidade. Quanto mais consumimos, menos ouvimos. Escutamos música de uma forma distanciada. Perpassamos por tanta coisa, mas quase nada nos chega de uma forma significativa. Parece que o pouco de ontem era muito mais do que o muito de hoje.
Com isto podemos responder à pergunta inicial: o rock progressivo passa a fazer parte da cena underground. Quem tem tempo de ouvir uma suíte de mais de 25min de modo distanciado e apressado? Mais fácil recorrer ao apelo pop de músicas rápidas, uniformes, e em geral com 3min de duração. A crise não é da música, mas chega a ela de modo arrebatador, e parece englobar todas as esferas da vida humana: o consumo de informações, o modo de educar, as relações humanas... e o contato com a música não é diferente. Vivemos numa avidez por músicas novas, por novos grupos, por novas bandas, por novos conceitos, e após descobrirmos, voltamos à busca sem o mínimo cuidado em explorar o recém-descoberto. O novo torna-se obsoleto rapidamente. Não é preciso conhecê-lo, basta descobri-lo. O descobrir implica conhecer? Talvez. Mas é um conhecer fugaz, distanciado, superficial. O meio, o caminho, é um mero detalhe dispensável. O fim que é o importante. Atualmente medimos a qualidade de algo por sua funcionalidade. E não podemos negar que uma música de 3min funciona melhor do que uma de 15min, considerando que o que é visado é o consumo, um cuidado quantitativo, e não um conhecer cuidadoso que apreende as nuances e os detalhes. Na geração do MP3, cada vez mais pessoas tem dificuldade de ouvir uma música inteira. O rock progressivo torna-se incompatível com a rapidez do mundo moderno.
Não é acaso que as grandes músicas deste estilo encontram-se inertes décadas atrás. Parecemos voltar no tempo ao ouvi-las. E de fato, se ouvimos com cuidado, com um ouvido que demora, que se aproxima da música, ouvimos música como antigamente. Voltamos no tempo realmente.
“Nothing he's got he really needs
Twenty first century schizoid man”

Matéria original: Blog Além do Bla Blá Blá / Whiplash

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