domingo, 28 de agosto de 2011

Vinte anos após seu lançamento,'Nevermind' do Nirvana ganha tributos e reedições luxuosas e tem seu impacto avaliado


O histórico CD foi lançado em 1991
RIO - Verão carioca de 1993, sol queimando na tarde de cimento do Sambódromo, e a multidão de adolescentes vestia camisas de flanela xadrez - imitando o visual desleixado do Nirvana e de seus colegas grunge de Seattle, atração principal daquela noite de janeiro no Hollywood Rock. O figurino, tão absurdo quanto pertinente, repetido em vários pontos do mundo, era apenas a face mais superficial do impacto que a banda havia causado com seu segundo disco, "Nevermind". O álbum - que completa 20 anos no mês que vem, com um relançamento recheado de material inédito, shows e CDs-tributo espalhados pelo mundo - trazia por baixo do tecido grosso a música que redefiniria os rumos do rock (e da música pop como um todo) dali para a frente. Naquele momento, o mundo queria vestir camisa de flanela e ser "Nevermind", efeito provocado antes por álbuns como "A hard day's night" (Beatles) e "Thriller" (Michael Jackson). Extrapolando fronteiras de geração, canções do álbum foram gravadas por artistas como Paul Anka e Caetano Veloso, que escreveu recentemente em sua coluna no Segundo Caderno: "'Nevermind' é um dos discos que mais amei na vida."
Mas o que o álbum - que teve uma tiragem inicial de 40 mil cópias, ambiciosa então para uma banda alternativa, mas ridícula frente aos 30 milhões que ele venderia - trazia para justificar o sucesso? Ou, mais que isso, sua condição de marco histórico? O jornalista americano Michael Azerrad, autor do livro "Come as you are: a história do Nirvana", aponta algumas razões:
- Parte da explosão do Nirvana se deve a razões clássicas. A banda veio com um álbum bem produzido, de canções de impecável carpintaria, grudentas. Quase todo mundo percebia que a música do Nirvana era poderosa e cheia de alma. O primeiro single do álbum ("Smells like teen spirit") imediatamente soou como uma das grandes canções da história do rock.
Angústia sob melodias pop
Talvez já fosse o suficiente, mas a chave da questão era maior do que a mera qualidade inegável da banda, nota Azerrad.
- Havia muito mais do que isso. Depois de anos de dance-pop vazio, como Milli Vanilli, e hair bands igualmente vazias, como o Warrant, os garotos queriam rock que falasse para eles e sobre eles, em vez de lixo aprovado por um punhado de executivos grisalhos. A música do Nirvana tinha um ponto crucial por trazer muito do underground que os garotos provavelmente conheciam, mas pelo qual não conseguiram se interessar tanto porque era muito cru e pobre em termos de melodia, até então. E não prejudicava o fato de o vocalista ser bonitinho - diz, referindo-se a Kurt Cobain.
O tal vocalista - que se suicidou três anos depois do lançamento do CD - estava no centro da potência da banda, que tinha ainda o baterista Dave Grohl, hoje vocalista dos Foo Fighters, e o baixista Krist Novoselic. E não só por ser "bonitinho", mas sobretudo pela angústia que, sob melodias pop, conseguiu imprimir na voz, na guitarra e nos versos niilistas, cheios de "I don't mind" ("eu não ligo") e "I don't care" ("eu não me importo") e momentos como "Eu estou tão feliz/ Porque hoje encontrei meus amigos/ Eles estão na minha cabeça" e "Eu juro que não tenho uma arma", que completam o romântico chamado "Venha como estiver" ("Come as you are").
- É um disco pop. Todas as melodias ficam na cabeça. Ao mesmo tempo, é bem cru e violento - afirma o baterista Marcelo Callado (Do Amor, BandaCê), que tinha 12 anos quando "Nevermind" foi lançado e aprendeu a tocar guitarra tirando de ouvido as canções do CD, um dos primeiros de sua coleção. - Talvez o alcance da doce porradaria seja seu legado.
Um legado que deixou marcas mesmo em campos insuspeitos da música contemporânea:
- "Nevermind" está em quase toda parte, do ponto de vista musical - diz o jornalista Arthur Dapieve, colunista do GLOBO. - A tensão e a distensão entre refrão e estrofes viraram lugar-comum. A música vem relativamente calma e explode no refrão. Isso é Nirvana, isso é Kurt Cobain esgarçando suas cordas vocais, isso é "Nevermind". O disco nos apresentou a uma alternativa mais visceral aos deprimidos anos 1980. Depois, mesmo bandas emo, que não têm um pingo de angústia existencial sincera, copiaram a fórmula.
Muito mais do que Kurt esperava. Sua ambição - nada modesta - era ser maior do que os Pixies, banda-referência da cena alternativa. Acabou, ainda em 1991, ultrapassando as vendagens do Guns N' Roses e destronando Michael Jackson e seu "Dangerous" do topo da lista de mais vendidos. E teve, mesmo sobre a geração estabelecida de artistas do rock, um impacto definidor.
- Foi digno de uma bomba nuclear - resume o baterista João Barone, falando sobre como o disco bateu sobre ele e seus colegas de Paralamas do Sucesso. - Ficamos muito impressionados e até aliviados pelo surgimento de um novo trio para realinhar o rock.
Como uma pedra caindo numa piscina, a influência do disco se espalha em ondas.- Muita gente foi filho do "Nevermind", como os Arctic Monkeys - cita o compositor Marcelo Yuka, que lança um olhar político sobre o fenômeno. - Eu fui pego pela sonoridade, mas as letras e a atitude foram o que mais me interessou depois. A atitude de entender o momento que aquela juventude estava vivendo. Na verdade, a juventude americana sofria por ser americana, e isso é um efeito colateral de todo sonho americano. Havia ali uma rebeldia com fundamento, a música expressando um trauma através da guitarra. É de arrepiar!
O guitarrista Dado Villa-Lobos, da Legião Urbana (que teve influências declaradas de Nirvana em alguns momentos do CD "O descobrimento do Brasil", segundo entrevistas do vocalista Renato Russo na época), é mais abstrato ao falar do disco:
- Energia melódica, eletricidade, intensidade 4x4 e algo a dizer da aldeia para o mundo.
Músicos da atual geração do rock brasileiro também louvam "Nevermind", como Fernando Catatau (para o guitarrista do Cidadão Instigado, Kurt é "um dos grandes nomes da música"), Helio Flanders, do Vanguart, que conheceu o álbum alguns anos depois do lançamento ("Eu me lembro de ouvir 'Lithium' pela primeira vez e ter vontade de quebrar a casa toda, me jogar no sofá"), e Pitty:
- Era um disco resgatando a simplicidade e as raízes do punk rock: uma galera meio ensebada, poucos acordes e berros primais. Me identifiquei imediatamente - diz a cantora.
Novoselic tocará em Seattle
Pitty está num dos tributos a "Nevermind", a coletânea americana "Come as you are". Outro projeto do tipo foi lançado pela revista "Spin", com artistas como Meat Puppets e Vaselines, bandas das quais Kurt era fã. Novoselic, ex-baixista do Nirvana, participará de um show em Seattle no dia 20 de setembro no qual o álbum será tocado na íntegra.
"Nevermind" será relançado pela gravadora Universal em diferentes formatos, do CD simples remasterizado à edição Super Deluxe (com quatro CDs e um DVD), passando pela Deluxe (dupla, com o disco original e outro de raridades e inéditas). O DVD e Blu-ray "Live at the Paramount", com um show gravado em 1991, também chega às prateleiras. Uma forma de manter a influência da banda viva, o legado que ecoa o ensinamento punk de que ter verdade é mais importante do que ter técnica, como destaca Flanders.
- Absurdamente intuitivo, Cobain deixou a arte de que mais gosto: arte bruta. Ele mesmo bradou: "Venha como você é".
E jurava, em seguida, que não tinha uma arma


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